Na semana em que se assinalam os dois anos da posse do Governo
de coligação PSD-CDS, chefiado por Pedro Passos Coelho, o executivo sofreu uma
derrota política com a greve dos professores. O dia 17 de Junho pode vir a
ficar na história deste Governo como o dia marcante no que tem sido a investida
autofágica ao próprio Estado, que o Governo tem consumado no ataque aos
funcionários públicos.
A greve dos professores no dia de exame nacional de Português -
na continuação da greve às avaliações, que já estava a ser um sucesso - foi uma
importante derrota política de todo o Governo e em especial do
primeiro-ministro, que deu cobertura à forma como o ministro da Educação geriu
este assunto e o transformou num braço-de-ferro com os sindicatos dos
professores e com os professores em geral. A derrota foi tal que os exames
previstos para o dia da greve geral já foram antecipados para a véspera.
O primeiro-ministro autorizou e apoiou a forma autoritária e no
limite do poder democrático e do Estado de direito como o ministro da Educação
procurou forçar os professores a irem vigiar exames. Quebrando todas as noções
de bom senso e de tentativa de conciliação social que competem ao poder
executivo em democracia, o ministro da Educação insistiu na recusa em adiar o
exame para 20 de Junho, como foi sensatamente proposto pelo colégio arbitral a
que o próprio ministro recorreu e que se recusou a decretar serviços mínimos.
Se o tivesse feito, Nuno Crato tinha de uma penada saído como um governante que
sabe dialogar e reconhecer o direito democrático à greve, mas que pôs em
primeiro lugar o interesse dos alunos. Seria visto como um vencedor e teria
esvaziado a greve dos professores, deixando os sindicatos sem espaço político e
social para remarcar a greve para outro dia de exames.
Mas o primeiro-ministro, com o respaldo e o veemente apoio
político que deu a Nuno Crato nesta cruzada, decidiu que mais uma vez os
professores iam servir de exemplo. E adoptando a arrogância do autoritarismo
neoliberal perante o trabalho e prosseguindo a mesma linha ideológica de que
tem governado com o intuito de baixar o valor do trabalho, o Governo seguiu em
relação à greve dos professores as regras de um manual de thatcherismo de
trazer por casa. Convenceu-se que também ele ia "quebrar a espinha"
aos sindicatos. Enganou-se.
O que o Governo conseguiu foi lançar a confusão nos exames de
Português, que ou não se realizaram ou realizaram em muitos casos
atabalhoadamente. Se não, vejamos os dados que resultam de um dia de greve.
Segundo o próprio Ministério da Educação, apenas 76% dos 75 mil alunos
inscritos a exame conseguiram realizar a provas, ou seja, cerca de 20 mil
alunos ficaram sem exame de Português, pelo que o ministério foi obrigado a
anunciar logo no mesmo dia que se realiza novo exame dia 2 de Julho.
Mas a imagem da seriedade e do rigor de Estado, que é necessária
à execução de exames, ficou comprometida. Mesmo antes do dia, o facto de o
ministério convocar para vigiarem exames dez vezes mais professores do que os
dez mil que normalmente estariam envolvidos, mostra o desespero e a falta de
racionalidade com que o Governo agiu perante o problema. Já em relação ao dia,
os dados conhecidos falam por si.
Conclusão: o exercício de autoritarismo protagonizado por Nuno
Crato redundou em descrédito da autoridade de Estado e na mácula do currículo
dos alunos. A greve teve assim apenas um aspecto positivo - a vitória que ela
foi para os professores. E neste sentido, ou seja, num sentido social mais
amplo, pode dizer-se que esta greve foi uma mais-valia para a sociedade
portuguesa e para a democracia.
Isto porque, se o Governo pensou que ia fazer dos professores um
exemplo e que ia "quebrar a espinha" ao movimento sindical, a união
dos sindicatos e a união com que todos os professores agiram deu uma lição ao
Governo sobre como nem tudo é permitido e como há pessoas que não se deixam
intimidar pelo medo. A maioria da classe docente, ao mostrar que não se deixava
acobardar pela intimidação do Governo, deu uma lição de dignidade e serviu de
exemplo a toda a função pública, a todos os trabalhadores, à sociedade
portuguesa e à democracia portuguesa. Os professores estão assim de parabéns,
pois voltaram a ser uma referência para a sociedade, uma referência contra o
autoritarismo e contra o medo.
P.S. - Na sequência da greve, a
JSD fez na Assembleia uma pergunta em estilo fascistóide sobre o dinheiro que
os sindicatos recebem do Estado. Será que a JSD vai perguntar a seguir sobre o
dinheiro que os partidos recebem? Isto porque presume-se que a Jota saiba que
os sindicatos são organizações representativas da população tão centrais nas
democracias como os partidos.
Jornalista. Escreve ao sábado sao.jose.almeida@publico.pt
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